sexta-feira, junho 26, 2015

"No chapeleiro", de Karl Valentin

No dia 17 de março de 2015, o Museu da Chapelaria recebeu a visita do 11º ano do curso profissional de marketing, do Agrupamento de Escolas de S. Pedro do Sul.


Como um museu conta muitas histórias, esta simpática turma presenteou-nos com a leitura de um excerto do texto "No chapeleiro", de Karl Valentin. 
Esta é a história de um senhor que se dirige a uma loja de chapéus e que de lá sai sem comprar nada! Isto tudo porque para a rececionista desta loja, o original é... andar sem chapéu!!!

"No chapeleiro", de Karl Valentin


Empregada – Bom dia. Faz favor, o que deseja?
Valentim – Era um chapéu.
Empregada – E que chapéu?
Valentim – Um chapéu para ter na cabeça.
Empregada – Com certeza, um chapéu não era para ter calçado, é sempre para ter na cabeça.
Valentim – Sempre, alto. Na igreja, por exemplo, não o posso ter na cabeça.
Empregada – Na igreja não. Mas também não está sempre na igreja.
Valentim – Pois não, só uma calha quando vez.
Empregada – Quer dizer, só uma vez quando calha.
Valentim – Pois, o que eu queria era um chapéu de pôr e tirar.
Empregada - Os chapéus são todos de pôr e tirar. Quer um chapéu redondo ou em bico?
Valentim – Quero um cinzento.
Empregada – Eu pergunto de que formato.
Valentim – Um formato de cor apagada.
Empregada – Discreto, quer o senhor dizer. Temos chapéus muito chiques e de todas as cores.
Valentim – De todas as cores? Então quero amarelo claro.
Empregada – Amarelo claro só há no Carnaval. Com certeza não quer andar com um chapéu amarelo claro.
Valentim – Não é para andar, é para pôr na cabeça.
Empregada – Com um amarelo claro toda a gente se vai rir.
Valentim – Mas os chapéus de palha são amarelo claro …
Empregada – Ah o que o senhor quer é um chapéu de palha …
Valentim – Não, não, um chapéu de palha não. Arde com muita facilidade.
Empregada – É pena mas de amianto ainda se não fabricam. Temos é chapéus de feltro e bons.
Valentim – Com os chapéus de feltro o problema é que não se ouvem cair.
Empregada – Arranje um capacete de aço. Assim já o ouve a cair.
Valentim – Eu sou civil, não posso usar capacete de aço.
Empregada – Mas tem que se decidir e saber que chapéu é que quer.
Valentim – Quero um chapéu novo.
Empregada – Claro, também nós só vendemos chapéus novos.
Valentim – Está bem. O que eu quero é um novo.
Empregada – Mas que chapéu é que quer?
Valentim – Um chapéu de homem. 
Empregada – Não vendemos chapéus de senhora.
Valentim – Mas eu não quero um chapéu de senhora.
Empregada – O senhor é difícil. Vou lhe buscar alguns …
Valentim - Alguns? Mas eu só quero um, só tenho uma cabeça.
Empregada – Trago alguns para o senhor poder escolher.
Valentim – Não quero escolher, quero é um chapéu que me sirva.
Empregada – Claro, o chapéu há de servir-lhe. Diga-me a medida da cabeça que eu vou buscar um que lhe sirva.
Valentim – A medida da cabeça. Mais pequena do que julga. É 55 eu queria um chapéu 60.
Empregada – Fica-lhe grande.
Valentim – Mas fica seguro. E se for mais pequeno não se segura.
Empregada – Isso não tem pés nem cabeça. Quando se tem 55, compra-se 55. Sempre assim foi.
Valentim – Sempre. E isso é que é triste. Os lojistas não sabem mudar de hábitos. Não querem acompanhar os tempos modernos.
Empregada – Mas o que é que os tempos modernos têm a ver com a medida da cabeça?
Valentim – Há de desculpar, mas as cabeças dos homens mudam muito. Sempre a variar …
Empregada – Por dentro. Por fora não. E depois isso levava-nos a uma discussão desmedida.
Valentim – Pois, a medida. Não era isso que queria saber?
Empregada – Mas não é a dos tempos, é a da cabeça.
Valentim – O que eu queria explicar é que nos bons tempos, como se costuma dizer, a cabeça das pessoas não eram o que são hoje.
Empregada – Que estupidez! Desde que o mundo é mundo cada qual tem a sua cabeça. Mas não me interessa como a sua é, o que interessa é a sua medida. Leve este 55, que custa 50 euros e é um belo chapéu; moderno e de boa qualidade. E sei o que estou a dizer.
Valentim – E vou pelo que me diz, porque estou a lidar como uma especialista. Então o chapéu é moderno?
Empregada – Sim. Mas o que é que isso quer dizer, moderno? Há para aí cavalheiros que, quer chova quer faça sol, andam sem chapéu. Uns originais … E dizem que isso é que é moderno.
Valentim – Ah, o que é moderno é andar sem chapéu? Já que é assim é, não compro. Adeus minha menina.  

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