A campanha Poesia à mesa 2016 já está nas ruas de S. João da Madeira.
Ao longo desta semana os poetas homenageados viajam até aos locais mais improváveis, arrancando muitos risos e sorrisos aos que param, naquele momento, para se entregarem às suas palavras.
Ontem, dezenas de funcionários pararam e o ambiente industrial da FEPSA silenciou-se para dar lugar à Poesia dita por Paulo Condessa e também por António Resende, encarregado do sector da tinturaria da FEPSA, que escreveu e declamou este belíssimo texto… um maravilhoso diálogo entre máquinas que disputam a importância do seu lugar na produção!
Noite chuvosa, relâmpagos fazem refletir as silhuetas das máquinas, ouço vozes, fecho os olhos e escuto.
“Estou exausta”, diz a Suflosa bocejando, “o pelo vem muito mau, cheio de canhão e algumas porcarias, tenho que estar atenta, pois tem que ficar como seda…”
“Gaba-te cesta que vais à vindima, quem te ouvir falar, até pensa que só tu existes”, diz a máquina de Arcar com ar de troça, e acrescenta “os feltros saem do cone que mais parecem flores, tenho que fazer cair o pelo muito certinho, senão aquelas ali, as más-línguas começam logo a espingardar.”
As Semussadeiras com ar de autoridade viram-se para a MA e MB e exclamam “Ó meninas, vocês estão a ouvir o que a colega diz?”
Responde a MB, “se não formos nós a trabalhar os feltros é uma desgraça”.
“Ah, ah, ah”, ri-se o Fulão que estava a ouvir a conversa e diz: “vocês não têm nenhuma responsabilidade em colocar na medida uns maiores, outros mais pequenos, enfim, andam com eles às voltas, dão um pontapé nas abas e colocam-nos nas minhas mãos. Eu sim, pancada menos pancada, vou-os educando até chegarem à medida, o pior é quando são teimosos e demoram mais que o habitual, muitas vezes ouço alguém dizer que o pelo não tem entrada nenhuma, ainda bem que existe gente que compreende.”
Com os ouvidos no ar estava a Dolum e a Avantec, máquinas de tingir que em coro diziam: “até nos custa falar, mas é verdade, e mais, algumas vezes dizem que somos as culpadas dos feltros ficarem fracos e rotos ao bico…”, intromete-se a mais nova e mais moderna “estou aqui há pouco tempo e já me tinha apercebido disso. De facto, vocês têm feito um excelente trabalho, principalmente nas cores pastel…”
“Pois cores pastel, cores clarinhas, cores que quase não levam corante, e eu como o meu nome indica Rápida, parece que ando sempre a fazer 100 metros barreiras, principalmente no 1º horário. A cor preta é uma nojeira, chego ao final do dia, além de cansadíssima, fico imunda...“
A máquina de Enformar não a deixa continuar e diz “anda mais devagar, só pensas em produção, eu algumas vezes até tenho dificuldades em colocar as garras para enformar os chapéus, faz como as tuas primas Mezeras, reduz a velocidade, mas não tanto como aquelas duas velhas Rematadeiras que apenas metem um feltro de cada vez, isso é malandragem…”
“Sim, isso é verdade”, diz a Abrideira de Copas, “até eu meto dois de cada vez”.
A Doram, máquina de afinar copas levanta a cabeça e lamenta-se: “se não fosse os medicamentos que tomo, não conseguia dormir, pois passo o dia com a cabeça a andar às voltas…”
“Se calhar os comprimidos andam a fazer-te mal”, diz a máquina de Quatro Cones… “nós aqui não precisamos de tomar nada, apenas bebemos uma pinguita à noite…”
“Ó rapariga”, diz o Aspirador, “não é nada comigo mas tenho assistido a algumas conversas que é de bradar aos feltros, o que vale é o controlo de qualidade, não deixa passar nada…”
O despertador toca… estive a sonhar.
Texto de António Resende, encarregado do sector da Tinturaria da empresa FEPSAalogo , apresentado no âmbito da Poesia à Mesa 2016.
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