A Empresa Industrial de Chapelaria

OLIVEIRA & PALMARES | 1891 – 1914
Em 1891, António José de Oliveira Júnior e Pedro Martins Palmares fundam, em S. João da Madeira, a fábrica a vapor Oliveira & Palmares que introduzirá a produção de “chapéus finos”, isto é, chapéus em pelo de coelho.
Localizada em dois grandes edifícios, no centro da povoação, a Oliveira & Palmares torna-se a primeira fábrica da terra a possuir máquinas a vapor, ficando apta a fornecer cerca de 200.000 chapéus por ano.
Em 1904, António José Pinto de Oliveira, filho de Oliveira Júnior entra, sem capital, na sociedade da firma alterando-se o nome daquela para Oliveira, Palmares, Araújo & Cª, Lda. e, alguns anos depois, para Oliveira, Palmares & Cª, Lda.
O sucesso do negócio, o aumento da concorrência, a necessidade de aperfeiçoar o processo produtivo e a falta de espaço nos edifícios primitivos levam, entretanto, à construção de um novo edifício fabril. Conhecida entre as gentes da época como a Fábrica Nova, a sua construção teve um custo de 110 contos, uma verdadeira fortuna nesse tempo.
De traçado arquitetónico inovador e ocupando um amplo terreno privado, situado na periferia, o novo edifício é equipado com o que de mais de moderno existia à época.
É instalada uma central privada para fornecer toda a eletricidade necessária ao bom funcionamento dos novos mecanismos. As máquinas são importadas da Alemanha. São contratados técnicos estrangeiros para formar os operários chapeleiros.
Tecnicamente habilitada a produzir maiores quantidades de feltros e chapéus, a empresa é, também, a única no país a fabricar o chapéu da moda feito de lã de carneiro merino que rivaliza em qualidade com os de pelo de coelho.
Em 1914, ano em que começa a I Guerra Mundial, a Fábrica Nova entra então em atividade.
Porém, temendo que tal progresso técnico causasse falta de trabalho e, certamente, instigada pelos industriais concorrentes, a classe operária insurge-se contra a Fábrica Nova, dando origem a um intenso período de convulsões sociais que ficará para sempre celebrado no romance Unhas Negras do escritor João da Silva Correia.

AS CONVULSÕES SOCIAIS

No dia em que a Fábrica Nova puser a funcionar a tal maquinaria moderníssima vinda lá da Alemanha ou dos infernos, que vomita chapéus impecáveis às dezenas ou até às centenas por fornada, quase que sem encargos de mão-de-obra, nesse dia que já não vem longe, o que nós todos temos a fazer (…) é amarrar as mãos na cabeça e deixarmo-nos ir para o fundo, como macaco em ribeira.
Podemos ir todos preparando a tanga, meus amigos, tanto industriais como operários. É muito provável que dentro de pouco tempo não haja oito, nem dez, nem doze horas de trabalho, nem o aumento ou redução de salários, nem reclamações, nem recusas, nem nada! O que haverá, decerto, é a porta fechada, o desemprego.
Formou-se grande magote de operários. Varapaus, machados, espingardas, caçadeiras, chuços (até alviões) – era uma tropa fandanga dos mais variados naipes de indumentária e armamento. Caminhavam entre grande estrépito, lés a lés da estrada – uma guerrilha heterogénea de muitas centenas, talvez de mais de milhar de homens, mulheres e crianças.
- Abaixo as máquinas! Abaixo as máquinas! Abaixo as máquinas! 
(…) alguns dos homens, animados pelos gritos de guerra, acercavam-se afoitadamente do portão, a dar-lhe inúteis marteladas. (…) Dentro da fábrica o alarme recrudesceu. Os sócios passavam o transe mais amargo de toda a sua vida de industriais.

Excertos do Romance UNHAS NEGRAS de João da Silva Correia
EMPRESA INDUSTRIAL DE CHAPELARIA, LDA | 1914 – 1949
Acalmados os tumultos contra a Oliveira, Palmares & Cª, Lda. e, agora, com operários e máquinas a trabalhar lado a lado, a Fábrica Nova inicia, em 1914, a produção de feltros e chapéus de pelo e lã merina para homem, senhora e criança.
O aumento da produção e a melhoria na qualidade dos artigos, associado às dificuldades por que passavam muitas empresas na sequência do início da I Guerra Mundial, permite a afirmação e ascensão da Oliveira, Palmares & Cª, Lda.
Em 1918 esta empresa cria uma nova secção produtiva, a de chapéus de palha, que se especializa em modelos para homem e criança.
Em 1919, com a morte de Pedro Palmares, a denominação da firma é alterada para Oliveiras, Lda. e, no ano seguinte, esta é vendida a um grupo de negociantes e capitalistas do Porto. O valor da transação ascendeu a 700 contos.
Em junho de 1920, é criada a Empresa Industrial de Chapelaria, Lda., uma sociedade por quotas com um capital social de 800 contos. Os sócios Oliveira Júnior e o seu filho António José Pinto de Oliveira ocupam o lugar de administradores-delegados.
Do inventário da Oliveiras, Lda. consta um escritório, uma central elétrica, uma serralharia, uma portaria e as secções mecanizadas de pelo e lã e de chapéus de palha. Contabilizam-se ainda 1.382,5 pares de calçado, do que se depreende que Oliveira Júnior já tivesse apostado no ramo do calçado.
Nos primeiros dois anos de atividade, a Empresa apresenta alguns lucros dos quais, uma parte, é reservada para uma Caixa de Assistência, para serviço de socorros nas faltas de trabalho, doença, velhice e invalidez e para seguros de acidentes de trabalho. Data também desta época a vontade de se criar um Bairro de Operários.
Mas, em 1922, alguns conflitos entre a família Oliveira e os restantes sócios sobre a gestão da Empresa conduzem à saída daqueles da Empresa e à venda das suas quotas à sociedade Borges & Irmão.
Nos anos seguintes a Empresa vive momentos de grande fragilidade como resultado da sua fraca produtividade, do trabalho irregular, de diversas carências técnicas, de algumas greves, como disso é exemplo a greve dos fulistas contra a mecanização do seu sector, da forte concorrência do mercado e, finalmente, de quebras de consumo relacionadas com o início do ‘desuso do chapéu’.
Para contrariar este ciclo, em 1926, dá-se a fusão da Empresa com a firma Manuel Luís Leite & Filho, Lda.. Esta fusão dará algum desafogo económico e irá, sobretudo, permitir a realização de importantes investimentos, nomeadamente, a aquisição de novas máquinas que trarão o aumento da capacidade produtiva e a introdução de novos modelos de chapéus de lã merina, em particular para senhora. Neste contexto de investimento são também criadas duas novas secções, a de serração de madeiras e a de corte e preparação de pelo.
À época, a Empresa terá chegado a empregar cerca de 1.200 trabalhadores tendo uma capacidade de fabrico diário na ordem dos 1.500 chapéus.
Na década de 30, com o agravamento da crise dos deschapelados e as tentativas goradas de associação dos industriais da chapelaria (como aconteceu com o Consórcio de Chapelaria ou a Aliança Manufactora de Chapéus de Palha), a Empresa vê-se forçada a aperfeiçoar os seus sectores e a aumentar a diversidade de produtos.
Para o sector da palha, a Empresa investe em novas matérias primas acabando por introduzir, em 1936, um novo tipo de chapéu de palha que terá tido boa aceitação no mercado nacional e suíço.
Entre 1933 e 1936 cria a secção de caoutchouc (Borracha) para produção de solas, saltos, massas para recauchutagem, calçado desportivo de lona e borracha vulcanizada e outros. A vulcanização da borracha, técnica inovadora à época, permitiu que o calçado de marca Sanjo se consolidasse rapidamente no mercado nacional.
É também nesta fase que a Empresa se volta para o mercado internacional, começando a participar em feiras e exposições, onde é premiada. Enviará também diversos representantes aos mercados mais promissores para angariar novos clientes.
Mas as décadas de 40 e 50 são de crise, superprodução e desestruturação do sector, agravada substancialmente pelo declínio do uso do chapéu e pela forte intervenção do Estado. Esta intervenção resultará na criação, em 1943, da Cortadoria Nacional do Pêlo que vai concentrar em si todas as cortadorias particulares do país, incluindo a da Empresa.
Contudo, e mesmo neste contexto de crise, a Empresa destaca-se pelas condições que oferece aos seus funcionários, como salários acima da média, subsídios de férias e de natal, férias ou gratificações, tentando garantir ainda, dentro dos padrões da época, um conjunto de serviços de apoio aos seus funcionários como um posto médico, cantina ou um bairro operário.
Localizado no edifício principal, o posto médico é criado em 1940, tendo uma sala de espera e um consultório totalmente equipado. Era usado para tratamento dos acidentes de trabalho mais simples, para serviço de enfermagem e para consultas particulares. Em 1941 os gastos com medicamentos, honorários médicos, radiografias e subsídios a doentes ascendem a 20.272$30.
A cantina, colocada num espaço afastado da zona fabril, ocupa um largo salão. Este era dividido em duas partes, uma destinada a operários e outra para os encarregados e contra-mestres. Tem uma dependência, mais tarde alterada para cozinha, onde uma funcionária aquece o farnel que o operário lhe entregava ou que ali era entregue, à hora do almoço, por um familiar.
Por último, o projeto do bairro operário, que teve início nos anos 20 e para o qual a Empresa ainda adquiriu um terreno, acaba por ser definitivamente abandonado em 1948.

EMPRESA INDUSTRIAL DE CHAPELARIA, LDA | 1950 - 1996 
A segunda metade do século XX ficará marcada por várias crises na indústria resultante, em parte, das profundas alterações sociais que se vivem um pouco por toda a Europa e que acabam por impor a ‘moda dos deschapelados’, levando os produtores a procurarem desesperadamente soluções para o inevitável decréscimo do consumo deste artigo.
É neste contexto de declínio que a Empresa implementa um plano que visa aumentar a sua capacidade produtiva, iniciar o fabrico de novos artigos e melhorar a qualidade dos tradicionais, para se tornar mais competitiva nos mercados. Assim, projetam-se obras de ampliação que resultam na construção de novos pavilhões, onde são instaladas as secções de borracha, de chapéus de palha e pano e de calçado. Por outro lado, aposta-se no desenvolvimento de novos produtos, sendo criada em 1949-1950, a secção de chapéus de pano para homem e criança cujo artigo vai adquirir, cedo, um grande desenvolvimento comercial. A partir de 1952 introduz o fabrico do chapéu de palha Laise.
Paralelamente são desenvolvidos vários esforços para estimular a preferência da clientela, seguindo as tendências da moda e criando novos modelos de chapéus de feltro para homem e senhora.
A partir da década de 60, a Empresa aumenta o seu volume de exportações. Cerca de 38% da sua produção destina-se ao mercado internacional. À Suécia, Suíça, Noruega, Holanda, Irão, Dinamarca, União Sul Africana, Bélgica, Marrocos, Pérsia, Turquia, Espanha, os seus maiores clientes externos desde a década de 40, juntam-se a França, Itália e Alemanha e os mercados da EFTA [Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suíça e Finlândia].
Em 1968 um incêndio na secção da palha gera perdas substanciais, mas apesar das precárias condições, esta secção continuará a registar bons resultados até 1978, em grande parte, devido à exportação. Nela chega-se a contabilizar uma produção anual de mais de 800 referências.
Na década de 70, e na sequência das mudanças ocorridas com o 25 de abril de 1974, a Empresa entra num período de instabilidade financeira, marcada pela falta de mão de obra, maiores encargos salariais, bloqueios às exportações e forte concorrência, sobretudo, estrangeira que beneficia de isenções aduaneiras e preços de venda competitivos. Para controlar as quebras de lucros e diminuir custos é assinado um contrato de distribuição exclusiva de feltros, para o mercado americano e canadiano, com a firma americana Portuguese Fur Felt Hat. A partir deste momento a produção de chapéus de pelo e lã dá lugar ao fabrico, quase exclusivo, de feltros destinados àqueles mercados. Se em 1977 o volume de vendas atingia cerca de 150.000 dólares, em 1978 elevou-se para 680.000 dólares levando a empresa a trabalhar no máximo da sua capacidade.
O sector do calçado e da borracha regista igualmente um crescimento na produção e vendas. Representando cerca de 70% da faturação total, este sector torna-se, a partir de 1974, o centro nevrálgico da empresa, chegando a produzir diariamente cerca de 2.500 pares de sapatos e 20.000 pares de solas de borracha. Contudo, e apesar dos constantes investimentos e aperfeiçoamentos técnicos e tecnológicos, começam a surgir grandes dificuldades em atender todos os pedidos de calçado, criando-se listas de espera de dois anos. No final da década, com a entrada de calçado estrangeiro no mercado português, a Empresa é forçada a tomar medidas excecionais, nomeadamente, do ponto de vista da redução dos custos de produção, da criação de novos produtos com melhor design e qualidade, da procura de mercados para exportação e da diversificação de clientes.
Em 1982, a secção de chapéus de palha e pano é convertida em secção de confeção, passando a produzir roupa desportiva de marca Sanjo. Contudo, em 1983 aquela acaba por ser encerrada, transferindo-se a produção para a firma Vieira de Sá, Lda., da qual a Empresa detinha 50% do capital.
Em 1991, é constituída a Sanjo – Indústrias de Calçado e Chapelaria, dedicada à indústria e comércio de artigos de calçado, chapelaria e borracha, verificando-se, nesse ano, o trespasse do estabelecimento industrial da Empresa Industrial de Chapelaria.
Nesta década há ainda referência a um Centro de Cultura e Desporto da Sanjo que dispunha de um bar e um salão de convívio. Criado para benefício e lazer dos funcionários da Sanjo, este promovia atividades desportivas, culturais e sociais, destacando-se, as festas de natal onde, tradicionalmente, eram distribuídos brinquedos aos filhos dos funcionários.
Outra regalia dada pela empresa era a possibilidade dos seus funcionários poderem adquirir, a baixo custo, calçado Sanjo. Inicialmente cada funcionário podia gastar até 15% do seu salário, mas as dificuldades de abastecimento nos anos 80 levam à alteração daquela política que passa a autorizar apenas a compra de 5 pares de sapatos ou botas por ano.
Em 1993, a empresa Oliva adquire as unidades de chapelaria, calçado e borracha da Sanjo. Sob a administração da Oliva, desenvolvem-se esforços para assegurar a viabilidade da Empresa, destacando-se a constituição de uma sociedade com a empresa norte americana SHUM que fica encarregue da gestão do sector da chapelaria.
Mas, incapaz de resolver os seus graves problemas económicos, em 1995, a Empresa encerra o setor de chapéus e, no ano seguinte, encerra a restante atividade.
Termina assim a história daquela que foi considerada a maior e mais importante empresa de chapéus da região que, durante décadas, formou várias gerações de chapeleiros e muito contribuiu para o desenvolvimento económico e social desta cidade.

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